20/05/2013
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03h00
Madrugada no centro
DE SÃO PAULO
"Vamos ficar mais um pouco, ainda vai ter Elza Soares e Gaby
Amarantos!", arriscou uma amiga, na madrugada de ontem, depois de termos
assistido ao funk de George Clinton no palco Júlio Prestes da Virada
Cultural --e passado por uma balada eletrônica montada num buraco da
cracolândia. Estávamos numa turma disposta e, além do mais, turbinada
pela energia dionisíaca do artista carioca Ernesto Neto, que veio
inaugurar uma mostra de desenhos na cidade.
"Que horas vai ser a Elza?", perguntei, desligado do relógio. "Às seis",
disse-me a amiga. "Às seis?!", quer dizer então que já são....
Sim, já passavam das 5h de domingo, sentia-me um zumbi e a massa
continuava a transitar para lá e para cá pelas ruas do centro. Manos,
minas, bibas, bobos, bêbados, pretos, brancos, mulatos, morenos,
orientais, perifas, playboys, polícia, nóias. A paisagem humana e
desumana de São Paulo desfilando na avenida.
Não é sempre que se pode ter uma experiência como essa, de ficar cara a
cara com a cidade e caminhar de madrugada por aquela região, degradada,
mas também pulsante, com suas referências históricas, seus belos marcos
arquitetônicos e sua fascinante bizarrice. A Luz, a Pinacoteca, a Júlio
Prestes, os edifícios modernistas, os cortiços... São Paulo, comoção de
muitas vidas.
Mas ninguém em sã consciência imaginaria que um acontecimento desse tipo
fosse transcorrer sem tensão e conflitos. Se um show está marcado para
começar às 6h, o que esperar na plateia? Pessoas que foram dormir cedo
para acordar atleticamente às 5h e chegar tinindo à Júlio Prestes? Ou
gente que desde cedo já estava pilhada para virar a noite e se entregar à
balada?
Eram ainda 14h quando fui à Sé de metrô para ver, na Caixa Cultural, a
exposição do poeta multimídia Walter Silveira. E já havia àquela hora
(quatro antes do início da programação de shows) um grupo de rapazes e
moças tirando fotos no trem com uma garrafa de vodka vagabunda pela
metade e canecas nas mãos.
O fato é que a Virada, ao menos implicitamente, é um um convite oficial a
um porre coletivo, como o Carnaval. É aquele fim de semana em que a
farra preside a vida. E pelas ruas rola de tudo, do pior álcool à pior
droga -o crack, que continua a ser consumido por hordas assustadoras de
dependentes, apesar das operações que prometiam "acabar com a
cracolândia". "Dependente também é gente", dizia, a propósito, uma
pichação que vi num muro.
É verdade que a maioria está ali para se divertir, mas nessas condições,
excessos e casos de violência tornam-se inevitáveis. A presença do
policiamento, embora ostensiva aqui e ali, parece insuficiente. E não
seria num evento como a Virada que a rotina de roubos e mortes da cidade
magicamente se interromperia.
Não é demais lembrar que no primeiro trimestre do ano os homicídios no
centro da cidade passaram de 14 para 25 casos, em comparação com 2012. E
nesses 90 dias, apenas nos distritos da Sé e de Santa Ifigênia, foram
registrados mais de 1.600 roubos.
O saldo de crimes do evento, portanto, não surpreende. É uma pena,
porque muita gente vai pensar três vezes se vale a pena arriscar na
próxima. Talvez seja o caso de rediscutir o formato, os horários e a
atuação da polícia na Virada, mas bom mesmo seria viver numa cidade e
num país menos propensos à violência.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
Colunista: marcos.augusto@gmail.com.br