quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Edifício Martinelli guarda mistérios e assombrações


As obras do Edifício Martinelli iniciaram-se em 1924. No local onde foi construído havia um sobrado colonial de 1814, que abrigara a Pensão Ítalo-Brasileira (ou Hotel Itália e Brasil) e o Hotel Paulistano, entre outros. O mais importante estabelecimento daquele ponto era o famoso Café Brandão, em cujas mesas se reuniam os estudantes da Academia e outras figuras da intelectualidade paulistana da época.

O Café Brandão abriu as portas em 1909, mas já em 1915, o imóvel teve de ser demolido para dar lugar ao edifício Martinelli.

O empreendimento do Comendador Giuseppe Martinelli custou-lhe toda a sua fortuna, representada por uma frota de 22 navios.

O prédio foi idealizado pelo arquiteto húngaro Willian Fillinger, mas o projeto inicial previa que haveria somente 12 andares. O próprio comendador acabou posteriormente assumindo o projeto, no intuito de acrescer mais e mais andares ao edifício. Colocou, literalmente, a mão na massa, ajudando como pedreiro. O resultado foi que, durante 18 anos, São Paulo se orgulhou de possuir um edifício de 30 andares, o mais alto da América do Sul, até o surgimento do Altino Arantes (Banespa).

Para provar a solidez da construção, o comendador foi morar no terraço. Ali ele criava aves, porcos e até mesmo gado leiteiro.
Inaugurado em 1929, o primeiro arranha-céu da cidade reunia a nata da sociedade paulistana nos aposentos e bar do hotel São Bento e nas matinês do cine Rosário. Localizado entre as ruas São Bento, São João e Líbero Badaró, no centro, era o orgulho da cidade. 



Um dos pontos turísticos mais interessantes de São Paulo, o Edifício Martinelli é também um arquivo de histórias misteriosas envolvendo personagens de uma metrópole que cresceu aos atropelos. De "point" da elite a cortiço, o prédio foi palco de prostituição, suicídios, tráfico de drogas e assassinatos jamais solucionados. 

Entre os que encontraram seu fim nos corredores e apartamentos do edifício está Neide, uma jovem com um passado obscuro encontrada morta em 30 de junho de 1965 no terreno de um prédio vizinho ao Martinelli. Sua morte e a investigação policial foram seguidas de perto pelo "Notícias Populares", que também relembrou outros crimes ocorridos ali. 

As mortes que o gigante de concreto testemunhou são hoje histórias de fantasma, com direito a portas que se fecham sozinhas e vultos sombrios nos corredores.


Saiu no NP
Manchete do 'Notícias Populares' apresenta outra versão para morte de Neide, que teria caído do edifício Martinelli

A ousadia da obra do imigrante italiano Giuseppe Martinelli não salvou o edifício de uma lenta decadência: endividado, o conde precisou vendê-lo para um instituto italiano, que administrou o gigante até meados da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Quando o Brasil declarou guerra ao Eixo, o governo confiscou os bens de italianos no país e, assim, o Martinelli passou ao domínio público. Com o fim do conflito, o prédio foi progressivamente ocupado por moradores menos ilustres, que buscavam ali uma opção de moradia barata perto do trabalho.

O cinema fechou, o hotel deixou de ser chique e o Martinelli, rebatizado de edifício América, passou a ser um dos maiores cortiços da cidade já nos anos 1950. Das colunas sociais migrou para as páginas policiais do "NP" em reportagens horripilantes. No caso de Neide, a matéria de 1º de julho ("Mundana jogada do alto do Martinelli") contava que os operários que trabalhavam na construção do prédio vizinho encontraram o corpo "em estado deplorável, o rosto deformado, numerosas fraturas expostas e o antebraço direito desligado do tronco".

A moça parecia ter caído de uma altura considerável. A Delegacia de Homicídios descartou logo de cara a hipótese de assassinato e ficou com a de suicídio. Mas análises preliminares do Instituto Médico Legal constataram que o corpo de Neide apresentava sinais de esganadura e marcas de choques nas mãos. O caso precisava ser analisado de novo.

As investigações elucidaram aos poucos a vida de Neide: trabalhava na chapelaria da boate Oasis, tinha 17 passagens pela polícia e era viciada em jogo. Sua irmã Neuza contou à polícia que a moça, antes de morrer, andava às voltas com uma dívida de Cr$ 100 mil no carteado. Não morava no Martinelli, e ninguém sabia dizer o que a levara até lá. Nenhum dos moradores ou frequentadores a viu entrar, e a polícia penava para descobrir o andar ou apartamento do qual Neide caiu.


Saiu no NP
Em julho de 1965, agenda de endereços de Neide vira esperança de novas pistas, mas não levou a nada

Quando morreu, portava apenas um porta-moedas e a chave de seu apartamento na alameda Barão de Limeira. Em sua casa, a polícia encontrou um recado para a irmã: "Voltarei logo". Apesar da dívida e da vida desregrada, a equipe do "NP" não acreditava que Neide cometera suicídio e apostava na hipótese de tortura (as marcas de choques eram uma pista) seguida de morte.
 
Em 13 de julho de 1965, o jornal anunciava: "Neide jogada do prédio depois de assassinada!". Ela podia ter sido atirada de uma das janelas depois de morta, de acordo com a opinião de alguns policiais. Mas a falta de pistas desnorteava as investigações; era mais um mistério que o Martinelli guardava e que levaria a polícia a arquivar o caso.

Em 1974 o jornalista Ary Morais resgatou algumas dessas histórias escabrosas na coluna "Grandes crimes no prédio Martinelli". A série foi publicada no "NP" de 3 a 9 de janeiro e trazia, além do caso de Neide, os do garoto Davilson e da adolescente Rosa. Sobre Neide, quase dez anos depois de sua morte o jornal revelava que cálculos da polícia demonstraram que ela caíra (ou fora jogada) do 17º andar, e que seu amante, um estelionatário argentino, nunca foi encontrado para ajudar a esclarecer a morte.

O prédio, pelo visto, já assombrava delegados há muitos anos. Em 9 de março de 1947, os jornais da época noticiaram discretamente que um cadáver fora encontrado no Martinelli. O corpo era de um adolescente e, além de coberto de ferimentos, estava sem paletó e com as calças descidas até o joelho. Como nos conta Ary Morais, o morto era Davilson Gelisek, de 14 anos, que morava com a família no centro e trabalhava em uma alfaiataria na rua Senador Feijó.

Quatro dias antes de ser encontrado naquela situação, o garoto foi trabalhar normalmente. Saiu para entregar algumas encomendas e não voltou mais. A autópsia revelou que a causa do óbito foi a queda de grande altura, mas, mesmo com o registro de várias escoriações no cadáver, o delegado que cuidava do caso concluiu que fora acidente. Na boca do povo prevaleceu a tese de que Davilson participava de uma das orgias que aconteciam nos apartamentos do Martinelli quando foi morto.

Ao que parece, a Justiça sempre deu com a cara nas portas do prédio: na noite de 9 de agosto de 1972, mais um assassinato ocorria ali e seria também arquivado por falta de provas. Desta vez era Rosa dos Santos, uma loirinha de 17 anos que, segundo testemunhas, estivera com um homem no hotel São Bento. Seu corpo foi encontrado pelo funcionário de um banco vizinho ao Martinelli que fazia hora extra quando ouviu um grande barulho: da janela do 2º andar, viu a moça estatelada no térreo do prédio.

Mistério no Martinelli



 
Em 5 de julho, reportagem diz que, apesar de marcas de tortura, tudo indicava que Neide se matara
Um sapato de Rosa foi encontrado no 17º andar e sabe-se que ela passou por um baile antes de encerrar o dia no Martinelli. O tal senhor que a acompanhava naquela noite não foi reconhecido por ninguém e nunca foi encontrado. Sem mais evidências, a polícia seguiu o padrão e arquivou o caso.

Poucos anos depois da morte de Rosa, em 1975, assumiu a Prefeitura de São Paulo o engenheiro e banqueiro Olavo Setúbal, que decidiu ressuscitar o edifício América. Os apartamentos de propriedade privada foram comprados e todos os moradores foram desalojados. A restauração preservou alguns traços originais do edifício e passou por cima de outros, tudo com financiamento da própria prefeitura e de alguns bancos.

O edifício Martinelli recuperou seu nome e foi reinaugurado por Setúbal em 1979. Desde então, abriga algumas secretarias municipais, lojas, cafés e escritórios, e recebe centenas de visitantes diariamente. Embora pareça baixinho perto de outros prédios mais modernos, sua arquitetura e o terraço restaurado mantêm o local como um dos preferidos dos paulistanos. Quanto aos assassinatos, são agora apenas uma boa história para turistas.

Vista aérea do então recém-inaugurado Edifício Martinelli, c. 1929.


Fonte:
http://f5.folha.uol.com.br/saiunonp/2014/02/1417017-edificio-martinelli-guarda-misterios-e-assombracoes.shtml 
http://saudadesampa.nafoto.net/photo20111002124555.html
http://www.aprenda450anos.com.br/450anos/vila_metropole/2-3_edificio_martinelli.asp

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Morre o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, projetista do Anhembi

Urbanista estava internado desde dezembro de 2013 no Hospital Albert Einstein, no Morumbi, depois de sofrer um acidente de carro

14 de fevereiro de 2014 | 11h 05


O Estado de S. Paulo
SÃO PAULO - Morreu na madrugada desta sexta-feira, 14, o arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, de 85 anos. Ele estava internado desde dezembro do ano passado no Hospital Albert Einstein, no Morumbi, zona sul de São Paulo, após ter sofrido um acidente de carro. O corpo está sendo velado no próprio hospital e o enterro acontecerá às 14h30 no Cemitério Israelita do Butantã.
Jorge Wilheim nasceu em Triste, na Itália, em 1928. De família de origem húngara, migrou para o Brasil em 1940. Logo depois de formado, em 1952, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, projetou, na capital paulista, o Parque Anhembi, o Hospital Albert Einstein e o Clube Hebraica, entre outros projetos renomados, como a revitalização do Pátio do Colégio e o Vale do Anhangabaú.
Também concebeu, em 1954, o projeto urbanístico da cidade de Angélica (MT), para 15 mil habitantes. Participou também, em 1957, concurso do ante-projeto de Plano Diretor de Brasília. Criou, entre diversas obras no Brasil, a Cidade Industrial de Londrina, no Paraná, em 1997.
Além da arquitetura, teve uma intensa vida pública como secretário estadual de Economia e Planejamento de São Paulo (1975-1979), secretário municipal de Planejamento paulistano (1983-1986 e 2001-2004), secretário Estadual de Meio Ambiente (1987-1991) e presidente da Empresa Metropolitana de Planejamento de Grande São Paulo (1991-1994). Assumiu, ainda, a presidência da Fundação Bienal de São Paulo, em 1985.
É também autor dos livros "São Paulo Metrópole 65" (1968), "O Substantivo e o Adjetivo" (1976), "Tênue Esperança no Vasto Caos: Questões do Proto-Renascimento do Século 21" (2001) e "A Obra Pública de Jorge Wilheim" (2003).