sexta-feira, 16 de setembro de 2016

CINE MARROCOS

Inaugurado em 25/01/1951, não coincidentemente com a data de aniversário da cidade de São Paulo, o Marrocos nasceu num momento de grande efervescência da arte do cinema na cidade. A sala de exibição possuía capacidade para 1870 convidados.

Abaixo a transcrição do texto original e integral do periódico CINE REPÓRTER (Fev. 1951) que detalha toda a grandeza e luxuosidade do Marrocos em sua inauguração:

" E AÍ ESTÁ O MONUMENTAL "MARROCOS"

A INAUGURAÇÃO DO MELHOR E MAIS LUXUOSO CINEMA DA AMÉRICA DO SUL

O que há de notável na casa de espetáculos da Rua Conselheiro Crispiniano - Distinção, conforto, perfeição técnica - A decoração em motivos das "Mil e Uma Noites - Dois mil lugares, magníficas poltronas recuáveis, ar condicionado- Fonte luminosa, moderno revestimento de espelhos, bar no salão de espera (este, um ponto de reunião da sociedade paulista) - A cabine e sua aparelhagem - O filme de estréia e os "selos" que serão consagrados.





No dia de S. Paulo - quando a cidade-milagre se comovia e se orgulhava com mais uma festa aniversária - foi entregue ao público o majestoso, o monumental MARROCOS, que é o melhor e o mais luxuoso cinema da América do Sul.




Erguendo-se no belíssimo prédio que recentemente se construiu na Rua Conselheiro Crispiniano (proximidades da sede do 2º R.M.), o MARROCOS é de propriedade, projeto e construção da Construtora Brasília, com engenheiro responsável Nelson Paulo Scuracchio e arquiteto projetista João Bernardes Ribeiro, estando arrendado à Empresa Brasileira de Cinemas, de que são diretores os Srs. Lucídio Calio Ceravolo, veterano e arrojado cinematografista, e o Dr. Mauro Pais de Almeida e Sebastião Pais de Almeida.

UM "SLOGAN" QUE NÃO MENTE

Quem visita a magnífica casa de espetáculos se convence inteiramente de que o MARROCOS merece o "slogan" que o anuncia: -"o melhor e mais luxuoso da Amperica do Sul."

Já à entrada impressiona a ampla escadaria de mármore branco que dá acesso ao "hall" de entrada do cinema, guardado por imponentes e aristocráticas colunas também revestidas de mármore e que dão um aspecto cheio de grandiosidade ao conjunto arquitetônico. Do "hall" de entrada atingem-se as bilheterias internas, localizadas de forma a facilitar a compra dos ingressos sem necessidade de apertos e confusão.




FONTE LUMINOSA, BAR E BELO SALÃO PARA REUNIÕES DA SOCIEDADE PAULISTA

Após as bilheterias situa-se um belíssimo átrio, ornamentado com uma fonte luminosa, em permanente funcionamento, o que irá emprestar um aspecto fidalgo e distinto ao ambiente. Desse átrio saem às escadarias que dão acesso aos balcões, enquanto os espectadores da platéia encontram pela frente um amplo e acolhedor salão de espera, capaz de conter grande número de pessoas dentro das maiores exigências de conforto e bem estar. Um espaçoso "bar" localiza-se à esquerda de quem entra, tendo à frente numerosas mesinhas e cadeiras, dispostas a proporcionar agradáveis momentos aos que esperam o início da sessão ou aguardam amigos ou familiares. Será esta uma característica inteiramente inédita em matéria de cinema entre nós e, certamente, virá contribuir para prolongar por agradáveis momentos, os encontros entre amigos e conhecidos nos intervalos das sessões, fazendo do salão de espera do "Marrocos", o ponto de reunião da nossa sociedade.


A DECORAÇÃO

A decoração do "Marrocos", que esteve a cargo de Jacques Monet e Nizet, revestiu de uma personalidade senhoril e de grande distinção o "hall" de entrada, guarnecido por imponentes espelhos, onde artísticos desenhos irão apresentando os cartazes dos filmes em exibição e por estreal. A mesma guarnição de espelhos reveste o salão de espera, enquanto no átrio, juntamente com a fonte luminosa, encontramos um painél em alto relevo, contando em termos incisivos a história do cinema em suas diversas fases. Os desenhos do piso, de originalidade e concepção extraordinariamente delicadas, são apresentados em bronze e repetidos na mesma disposição, na decoração do teto e nas artísticas cantoneiras dispostas sob os espelhos.


A parte de aplicações, tapeçaria, cortinas e palco estiveram a cargo desse experimentado profissional que é ao mesmo tempo um artista consagrado por excelentes trabalhos que valorizam os mais categorizados cinemas do Brasil - José Maestre.


O EXCEPCIONAL SALÃO DE EXIBIÇÕES - A CABINE - AS POLTRONAS RECUÁVEIS

O salão de exibições do "Marrocos" é de extraordinária amplitude, conportando dois mil espectadores sentados, possuindo poltronas estofadas do novo tipo recuáveis, que dão maior conforto e aproveitam melhor o espaço. Possui a maior e mais perfeita instalação de aparelhos projetores de todo o Brasil, SIMPLEX XL, fornecidos por R. Ekerman e dispõe de ar condicionado Carrier, tela de vidro e visibilidade perfeita de todos os seus pontos. A decoração da sala de projeção foi baseada em motivos das lendas árabes das "Mil e Uma Noites", em delicados tons que combinam perfeitamente com o conjunto geral.




O FILME INAUGURAL

O novo e majestoso cinema entregue ao público paulistano apresentou o filme "Memórias de um Médico / Black Magic" (1949), produção executiva de Edward Small, com Orson Welles e Nancy Guild, secundados por Akim Tamirof e Valentinna Cortese, além de grande elenco, com argumento baseado na célebre novela de Alexandre Dumas, em distribuição da United Artists.

Serão lançadores no cine "Marrocos", a França Filmes do Brasil, a United Artists, a Eagle-Lion, a U.C.B. e várias outras. Os lançamentos do "Marrocos" serão alternados semanalmente com as estréias do cine Oasis, simultaneamente com os cines Sabará, Vogue, Jaraguá, Carlos Gomes, Ipiranga, Palácio, Santo Antonio e Pedro I.


O cinema com que o Brasil sonhou aí está: - é o MARROCOS. E necessariamente tinha que se ligar ao importante acontecimento o nome de um cinematografista autentico: LUCIDIO CERAVOLO.

No dia 24, à tarde, autoridades, elementos da sociedade paulista, cinematografistas e imprensa foram fidalgamente recebidos no MARROCOS. Uma agradável reunião, sem dúvida. Foi servida uma taça de champanha. Ao microfone houve um desfile de impressões sobre a sala exibidora. Iniciou-se, por convite especial, o diretor de CINE - REPORTER, Antenor Teixeira.



 DE GRANDIOSO À DECADENTE

As décadas de 40 e 50 foram de profundo crescimento arquitetônico no centro da capital, local onde concentrava-se os principais pontos boêmios e comerciais. Os cinemas alí eram cerca de 30, fato que tornou a região conhecida como a Cinelândia Paulista.



A vida cultural na região era efervescente, Na Avenida São João e transversais ficavam vários salões de dança. Na Avenida Ipiranga e imediações, espalhavam-se cabarés e boates. No chamado Centro Novo havia também o Theatro Municipal (grafado como na época, com "Th") e a Biblioteca Mário de Andrade, o Colégio Caetano de Campos, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), teatros, bares, livrarias, hotéis, estúdios das principais emissoras de rádio e redações de jornais.

O auge do Marrocos se deu em 1954, quando foi sede do I Festival de Cinema do Brasil, parte das comemorações do IV Centenário de São Paulo. Ao longo do evento, passaram pelas escadarias grandes estrelas hollywoodianas como Errol Flynn, Edward G. Robinson, Joan Fontaine e Fred McMurray, bem como nomes do cinema europeu como o cineasta austriaco Eric Von Strohein, o francês Abel Gance dentre outros. Na tela foram projetados filmes que se tornariam clássicos do cinema: Noites de Circo, de Ingmar Bergmann (marcando a primeira consagração internacional do cineasta sueco), A Grande Ilusão, de Jean Renoir, Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder etc.

O centro da cidade, incluindo a Avenida São João, começou a dar os primeiros sinais de deterioração ainda no fim dos anos 1950. A Avenida Paulista recebia os primeiros edifícios e conjuntos comerciais e atraiu a instalação de escritórios, consultórios médicos, lojas e cinemas, antes situados no Centro Novo. Depois da construção do Elevado Presidente Costa e Silva, o “Minhocão”, em 1970, a degradação da São João se acentuou rapidamente e mesmo o trecho não encoberto pela via elevada foi afetado. 

Aos poucos, os cinemas perderam os antigos frequentadores, também atraídos pelas novas salas inauguradas na Avenida Paulista. Para não fechar as portas em definitivo, muitos cinemas passaram a exibir filmes pornográficos. Outros encerraram suas atividades e destinaram as antigas salas a usos diversos, como estacionamentos, igrejas e bingos. O Cine Ipiranga foi o único que resistiu por mais tempo, exibindo filmes do circuito comercial até 2005.

Depois de passar por outros proprietários, o Marrocos atingiu sua decadência maior na década de 70, exibindo filmes pornôs e no início dos anos 90 fechou as portas. Houve diversos planos para reativar o cinema, todos frustrados, e o edifício acabou sendo comprado pela prefeitura de São Paulo com a intensão de instalar ali a sede da Secretaria Municipal de Educação.

A história do Marrocos mudou em 2013 quando integrantes do MSTS, que já ocupavam o antigo Museu do Disco na mesma rua, pularam uma grade, driblaram dois seguranças sonolentos e ocuparam o edifício. Estenderam faixas com as siglas do movimento, levantaram tapumes e se estabeleceram no local.

A maioria dos moradores ocupou o edifício acima do cinema, com suas quatro torres de 12 andares, transformando as antigas salas comerciais em quitinetes improvisadas. Uma parcela menor de ex-moradores de rua em situação de vulnerabilidade social se instalou no hall de entrada e no saguão do antigo cinema, em quartos provisórios montados com divisórias de escritório.

Em meio aos tapumes, aos grafites e à tralha acumulada, ainda é possível vislumbrar os vestígios do grandioso cinema: paredes vermelhas com esculturas de gesso em alto-relevo, antigas colunas espelhadas, escadarias de mármore que levam à antiga sala de projeção (que mantém dois empoeirados projetores Triumph) e um buraco onde antes ficava a já citada fonte de água luminosa.

Não é preciso ler as obras completas de Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda para enxergar ali um microcosmo da realidade brasileira: um cenário que mistura ostentação e decadência, ficção e realidade, o passado da elite cultural e o presente de luta social, os fantasmas dos atores hollywoodianos e os herdeiros da miséria paulistana.

CINE MARROCOS - O DOCUMENTÁRIO

Em maio de junho de 2015, a sala abrigou as filmagens do documentário Cine Marrocos, dirigido por Ricardo Calil. A produção do filme reativou o cinema por uma semana, com tela, projetor e cadeiras provisórias. Depois de 61 anos, foram exibidos os mesmos filmes mostrados no Festival Internacional de Cinema de 1954. Dessa vez, porém, o público era bem diferente: em vez dos ilustres convidados hollywoodianos e europeus e da aristocracia paulistana, a platéia era formada por sem-teto brasileiros, africanos e latino-americanos. Após as exibições, a produção do documentário realizou uma oficina de interpretação com 25 moradores, na qual eles refizeram, como atores, cenas daqueles clássicos do cinema.

FONTES:
http://salasdecinemadesp.blogspot.com.br/
http://saopaulo-40s-50s-60s.blogspot.com.br/
http://www.gringo.fot.br/mies_portfolio/marrocos/
http://www.prefeitura.sp.gov.br/
http://revistatrip.uol.com.br/


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